“A vacina, ela tem de ser eficiente”

 “A vacina, ela tem de ser eficiente”

Médica Nise Yamaguchi diz que é cedo para vacinar contra a Covid-19 e que não há eficácia nas vacinas em teste

Vacinar contra o novo coronavírus agora é um ato apressado e sem eficácia comprovada. É o que pensa a médica imunologista Nise Yamaguchi, que teve trecho de uma entrevista publicado no Instagram da deputada federal Carla Zambelli, do PSL-SP. No trecho, que apresenta sinais de edição, e que foi compartilhado pelo presidente Jair Bolsonaro, a médica detalha sua preocupação com o encaminhamento da vacina contra a Covid-19. A entrevista completa e sem cortes, divulgada em 25 de outubro, pode ser acessada aqui, no canal do Youtube da jornalista Leda Nagle, que entrevistou a médica. Por meio do aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz, recebemos o trecho da entrevista para checagem.

A entrevista foi dada no contexto de um pedido da médica por audiências públicas sobre o impacto da pandemia no tratamento do câncer, e na qual a médica também fala sobre as vacinas contra o novo coronavírus.

No trecho que foi compartilhado por Jair Bolsonaro e Carla Zambelli, a médica é categórica: “A vacina, ela tem de ser eficiente”. Ela questiona a eficiência das vacinas que estão sendo testadas contra a Covid-19, dada a pressa na condução dos testes. Já a eficácia tem a ver com o sucesso da vacina ao longo do tempo, e com o número de infecções subsequentes, explica a médica.

Ela também questiona que a decisão sobre as vacinas possa ser tomada por prefeitos e secretários de saúde: “Eu acho muito perigoso que um mecanismo de decisão seja tomado por prefeitos e secretários. Sem contar que hoje é uma questão de defesa nacional, não é uma questão só política”. Sobre esse ponto, há diversas controvérsias.

Ações de estados e municípios estiveram em confronto com a orientação do governo federal desde o início da pandemia, e a médica Nise Yamaguchi é uma aliada de primeira hora do governo federal. Nesse sentido, o que ela vê como decisão temerosa pode significar para outros a salvação. Conflito semelhante ainda se observa na questão do isolamento social, medida adotada por muitos prefeitos e governadores a partir de decisões do Supremo Tribunal Federal, e combatida por Jair Bolsonaro.

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A entrevista e a postagem: interrogações sobre a vacina. Imagem: Reprodução

Ente estranho – Sobre a segurança da vacina, a opinião da médica é resumida pela fala da jornalista: “Traduzindo, a gente tá colocando dentro do organismo da gente uma coisa estranha, que pode dar certo ou não”, resume Leda Nagle. Nise Yamaguchi concorda.

A segurança da vacina está dentro dos parâmetros exigidos pelos organismos de saúde. A ideia de que ela vai contaminar a população é falsa, como explica essa reportagem aqui, feita pela equipe do NUJOC Checagem.

Outra preocupação da médica diz respeito ao ineditismo da vacinação em larga escala. Ela afirma que algo assim não foi feito antes na história da humanidade. Diz que há o risco de que um órgão que já foi infectado uma vez venha a piorar se for novamente exposto ao vírus. Cita o caso da dengue hemorrágica, quando se constatou a resposta exagerada do sistema imunológico. Essa teria sido uma das causas para o cancelamento da vacina da dengue. A outra seria a baixa eficiência da mesma.

A preocupação da médica é legítima. De fato, existe sempre um grau de risco na vacinação, e esse risco deve ser pesado em relação aos benefícios que a vacina pode trazer, considerando o contexto e tudo o que se sabe sobre a doença. Mais sobre o que são e como são feitas as vacinas você pode conferir aqui.

A médica também expressa preocupação com a questão do tempo de testagem das vacinas: “Por isso que a maioria das vacinas do mundo demora um tempo para que ela possa ser validada”.

Também quanto a este ponto, a preocupação é legítima, como já mostramos em outras checagens sobre o assunto. A questão novamente é considerar em que medida a eficácia das vacinas compensa os eventuais riscos inerentes ao processo de busca pela cura. Yamaguchi fala em eficácia imediata, aquela observada logo depois da vacinação, eficácia mediata, com prazo maior de verificação, e eficácia tardia, que implica avaliar o que a vacina implicou em termos de doenças autoimunes e inflamatórias.

Se há razão para cautela, também há para algum otimismo sobre a eficácia das vacinas atualmente em teste. É o que mostra esta matéria aqui, sobre o que seria o grau de eficácia aceitável para as vacinas. Recentemente a Folha de S.Paulo publicou reportagem que afirma ser a eficácia da vacina da farmacêutica americana Pfizer em parceria com a alemã BioNtech superior a 90%, conforme resultados preliminares.

A vacina CoronaVac, parceria de um laboratório chinês com o Instituto Butantan de São Paulo, teve efeitos colaterais em cerca de 5% dos casos, conforme você pode conferir nesta matéria aqui, da CNN Brasil, e foi considerada segura. Saber se no longo prazo haverá algum risco, como sugere a médica, não é por si uma razão que impeça a busca por soluções no curto prazo, quando o tempo também é um fator de alto risco.

Por fim, Nise Yamaguchi afirma que no momento há queda no número de novos casos e de óbitos pelo novo coronavírus, o que indicaria que é necessário apostar em alternativas à vacina. Isso porque, ainda segundo a médica, vacinar em larga escala colocaria grupos específicos em risco, como gestantes, crianças e idosos, além daquelas pessoas que são doentes e não têm ciência disso. Ela defende que é necessário “administrar a pandemia”, trazendo-a para outros patamares; para tanto, sugere utilizar a estratégia da imunidade de rebanho, por exemplo. Essa estratégia implica deixar que parte da população crie anticorpos pela exposição deliberada ao vírus.

Trata-se de questões que ainda estão em debate. A estratégia da imunidade de rebanho apresenta riscos igualmente, como mostra esta matéria, e por isso já foi condenada por várias autoridades médicas e cientistas. Nise Yamaguchi traz questões que merecem atenção e em sua fala não se refere especificamente a uma das vacinas em fase de testes ao abordar pontos como segurança e eficácia das vacinas. Mas sua voz tem sido usada sobretudo pelos que têm se alinhado às posições do presidente Jair Bolsonaro, em mais um capítulo da novela da polarização que tomou conta do debate público sobre a vacinação. Ela defende o tratamento precoce com hidroxicloroquina, por exemplo, e foi um dos nomes cogitados para o Ministério da Saúde quando da saída do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.

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