Confrontos entre as novas configurações do jornalismo e o desejo do público consumidor de notícias
Por Ana Regina Rêgo
Enquanto novas configurações do jornalismo apontam para um desvelar necessário do fenômeno a partir de sua formação enquanto campo, que na concepção de Bourdieu, se deu no encontro entre o News (notícia) e o Comments (comentários/opinião) que ainda hoje configuram os dois grandes gêneros do jornalismo. Desvelar este que aponta para o lugar das instituições jornalísticas e do próprio profissional no contexto em que se encontra, revelando seu lugar social e modificando o modo de se posicionar ao público, já o Digital News Report 2021 realizado pelo Reuters Institute em parceria com a University of Oxford, e sobre o qual já falamos algumas vezes nesta coluna opinativa, traz também algumas conclusões acerca dos anseios do público de notícias e revela que o público espera do jornalismo um comportamento aos moldes do que se propagava na modernidade, ou seja, estruturado na pretensa imparcialidade, o que confronta algumas novas práticas do jornalismo na atualidade.
Nesse ponto o estudo sobre a imparcialidade intitulado Imparcialidade descompactada realizado dentro do Projeto Digital News Report e coordenado pelo Dr. Craig T. Robertson tendo como foco o público consumidor de notícias em quatro países, a saber: Estados Unidos, Reino Unido, Brasil e Alemanha, foi realizado a partir da observação de diferentes mercados de notícias, tradições de transmissão pública e sistemas de regulação de mídia. Vale ponderar que para além da pesquisa quantitativa em cima da dieta de mídia das pessoas em seus países, foram realizados grupos de discussão e entrevistas aprofundadas entre fevereiro e março de 2021 com diversos tipos de público.
Dentre as inúmeras conclusões o Digital News Report revela que as pessoas desejam que os veículos que têm as notícias como principal produto, apresentem uma variedade de pontos de vista e deixem que o público decida como se posicionar. “Em nossos dados, descobrimos que uma clara maioria das pessoas em todos os mercados deseja que os veículos de notícias, ao fazerem reportagens sobre questões sociais e políticas, reflitam uma gama de pontos de vista diferentes e deixem para eles decidirem. Poucos são a favor dos meios de comunicação que “defendem os pontos de vista que consideram os melhores”. Há um pouco mais de apoio a essa posição minoritária entre os jovens (com menos de 35 anos) e os da esquerda política, mas continua sendo uma porcentagem menor. Notamos, é claro, que os pontos de vista geralmente dependem do assunto. Em geral, perguntamos sobre ‘questões sociais e políticas’, mas as opiniões podem ter sido diferentes se tivéssemos perguntado, por exemplo, sobre relatórios sobre vacinas. Na verdade, as nuances do tópico são refletidas nos dados do nosso grupo focal”.
Na pesquisa qualitativa realizada com grupos focais, o sentimento geral é que a pessoas tem direito de formar suas próprias opiniões, sem sofrerem influências do campo jornalístico, sobretudo, quanto se trata de temáticas políticas interpretativas, quando as pessoas demonstram algum incômodo com os jornalistas fazendo julgamento.
Todavia é válido destacar que os entrevistados delineiam diferenças entre reportagem de notícias (onde esperam por imparcialidade) e opinião ( onde já sabem que opiniões serão defendidas), embora muitas vezes sintam dificuldade em diferenciar os dois gêneros.
A pesquisa aponta ainda que os entrevistados apreciam tanto as notícias como a opinião verbalizada pelos jornalistas, mas desejam que estejam devidamente separados. Para os entrevistados a Análise situa-se no limiar entre o News e o Comments e é vista como aceitável se for fornecida por especialistas. De acordo com os pesquisadores, “os participantes do grupo focal também reconhecem que a imparcialidade é difícil quanto mais informal um formato de notícias se torna – mas que isso pode ser bom se, por causa do formato (por exemplo, podcasts, mídia social), pontos de vista são esperados. Quando procurados, o atrativo de estilos mais informais e opinativos – especialmente apresentadores de transmissão que causam divisão – é que eles podem ser perspicazes e divertidos. Embora o relato imparcial seja o padrão ideal, alguns entrevistados admitem que pode ser menos envolvente”.
No mesmo caminho as pessoas acham que os veículos devem destinar igual tempo aos diferentes lados do debate. No entanto, a questão do equilíbrio temporal deve ser ponderada quando estão em debate temáticas concernentes à ciência e por outro lado, questões negacionistas, sejam relacionadas ao clima, a terra plana, a ciência durante a pandemia e a história, por exemplo. “Então, o que os entrevistados de nossa pesquisa acham? Mais uma vez, é a mesma história: a maioria das pessoas em todos os mercados acha que os meios de comunicação deveriam dar tempo igual a todos os lados. Apenas uma minoria acha que os meios de comunicação deveriam dar menos tempo aos lados com argumentos mais fracos”.
Dentre os entrevistados, a maioria deseja que os veículos de notícias permaneçam neutros, todavia, um grande percentual diz que isso nem sempre faz sentido, sobretudo, quando não há argumentos opostos válidos, isso valeria tanto para os pontos temáticos relacionados acima, como para questões relacionadas à justiça social, por exemplo. Segundo o Relatório, “entre aqueles com idade entre 18 e 24 anos, 40% no Brasil, 34% na Alemanha, 38% no Reino Unido e 30% nos EUA acham que não faz sentido ser neutro em algumas questões. A porcentagem de pessoas com mais de 55 anos que pensam o mesmo varia de 19% na Alemanha a 30% no Brasil, com os EUA (22%) e o Reino Unido (26%) entre os dois. Quanto aos políticos de esquerda, a porcentagem de pessoas que pensam que a neutralidade às vezes não faz sentido varia de 36% na Alemanha a mais da metade nos Estados Unidos (54%)”.
As conclusões do Digital News Report dizem que embora a imparcialidade e a objetividade no jornalismo sejam cada vez mais questionadas, em geral, a maioria das pessoas deseja que as notícias sejam imparciais, ao tempo em que desejam decidir por si mesmas e formular suas próprias opiniões.
Todavia, parte dos entrevistados observa que a neutralidade pretendida pelo público ao jornalismo não se aplica a questões como racismo, por exemplo, reconhecendo que as expectativas de imparcialidade e equilíbrio podem variar de acordo com o assunto que exigem, posicionamento de especialistas, como vimos inúmeras vezes, o jornalismo recorrer aos cientistas durante a pandemia da COVID-19. “Os idosos e os da direita política tendem a defender com mais veemência a inclusão de todas as perspectivas. Mas entre os jovens e os da esquerda política, esses sentimentos são mais fracos. Pode ser que esses últimos grupos estejam mais sintonizados com questões que os fazem pensar de maneira diferente”.
Para ler os resultados da pesquisa na íntegra acesse: https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/digital-news-report/2021/impartiality-unpacked-study-four-countries