O mercado da desinformação ganha aliados com a tecnologia deepfake
Ana Regina Rêgo
Como se não bastasse o grande mercado lucrativo da desinformação, alimentado de um lado pelo modelo de negócios das grandes plataformas digitais e, de outro, pelo conservadorismo político que cria e alimenta a crescente cultura do ódio, agora a tecnologia deepfake entra como aliada no cenário da desinformação potencializando seus efeitos em uma sociedade acrítica.
Essa nem tão recente aderência da tecnologia deepfake ao escopo da desinformação ( os primeiros registros são de 2017) dificulta cada vez mais, que os cidadãos possam distinguir uma informação de uma desinformação, visto que as narrativas desinformacionais se tornaram híbridas e compostas por mentiras que são postas ao lado de evidências e fatos, seguidas de informações imprecisas, descontextualizadas ou manipuladas e que agora ganham o reforço deepfake para imprimir um efeito de real às estratégias de enganação intencional do público e construção intencional da ignorância.
Mas o que vem a ser tecnologia deepfake?
Em síntese trata-se de usar Inteligência Artificial para criar vídeos com personagens reais, só que os colocando para falar e fazer coisas que jamais fariam, objetivando desconstruir suas reputações, abalar sua credibilidade e destruir nomes e carreiras.
As fábricas de fake News cuja construção tem se tornado cada vez mais e mais complexa, como dito acima, tem agora ao seu lado as fraudes audiovisuais que passam a dominar a cena nas plataformas virtuais. Em comum aos grupos políticos e empresariais, como também, a uma legião de seguidores cegos dos líderes políticos conservadores, adeptos do uso da desinformação para alcançar seus objetivos, encontramos a ausência de uma eticidade pública, como um acordo coletivo em torno de valores que sejam trabalhados em prol do bem comum, sem discriminações ou exclusões. A ética inexiste nesse ambiente.
Os vídeos trabalhados com Inteligência Artificial se espalham pelo universo das celebridades hollywoodianas que veem seus nomes envolvidos em vídeos pornográficos e até com conteúdo de pedofilia, e alcançam os políticos contrários aos governos conservadores atuais, em países como os Estados Unidos, dentre outros.
As próximas eleições brasileiras prometem ser ainda mais manipuladas do que o pleito de 2018, quando a construção intencional da ignorância foi trabalhada com requinte. Agora no entanto, o uso de desinformação aliada aos vídeos deepfakes tornará o público acrítico refém de toda uma produção discursiva manipulatória.
É de conhecimento público que o uso da Inteligência Artificial para produção audiovisual é utilizada no cinema há algumas décadas, no entanto, nos dias atuais qualquer pessoa com alguma habilidade nos programas e aplicativos disponíveis para a construção de vídeos pode dominar a tecnologia. Na verdade, qualquer pessoa com acesso a programação com algoritmos e conhecimento de deep learning, bons equipamentos e softwares, pode fazer um vídeo deepfake em pouco tempo.
Mas o que é deep learning? Traduzido como aprendizagem profunda, trata-se de um conhecimento amplo sobre a computação com base em algoritmos que trabalham na modelagem de dados/informações utilizando vários extratos de processamento e possibilitando transformações não lineares. Muito utilizado no ambiente mercadológico capitalista, o deep learning também passou a ser usado no ambiente político e por último, se coloca como aliado potencializador da tecnologia deepfake.
De acordo com Michael K. Spencer em matéria publicada no portal Tribuna da Internet e disponível no link : http://www.tribunadainternet.com.br/depois-das-fake-news-surge-a-tecnologia-chamada-de-deepfake-criando-pessoas-que-nao-existem/ :
Deepfakes são, essencialmente, identidades falsas criadas com o deep learning [aprendizagem profunda, por meio de uso maciço de dados], por meio de uma técnica de síntese de imagem humana baseada na inteligência artificial. É usada para combinar e sobrepor imagens e vídeos preexistentes e transformá-los em imagens ou vídeos “originais”, utilizando a tecnologia de GAN (Generative Adversarial Network, ou rede geradora antagônica).
Essa combinação de vídeos existentes e “originais” resulta em vídeos falsos, que mostram uma ou algumas pessoas realizando ações ou fazendo coisas que nunca aconteceram na realidade. Em 2019, também estamos vendo uma explosão de faces fake, através das quais a IA é capaz de conjurar pessoas que não existem na realidade, e que têm um certo fator de influência.
Esse mesmo autor pondera que o uso dos vídeos com tecnologia deepfake vem para potencializar a ação das narrativas desinformacionais e complexificar o escopo da verificação, cuja batalha é travada diariamente por jornalistas em todo o mundo.
Ao que acrescentamos, que em nosso prisma, os vídeos construídos a partir da tecnologia deepfake que se constituem como fraudes sociais, vem para inflamar a guerra da desinformação, trabalhando em prol de visões de mundo, modelos morais e restrição do acesso aos bens, criando hegemonias restritas, mas, principalmente, atuando como impedidores do acesso à informação de qualidade, visto que são usados como coadjuvantes em estratégias de alienação como as que adotam as redes evangélicas/neopentecostais conservadoras e fundamentalistas que atuam em nosso país, por exemplo, e que limitam o acesso dos fiéis à informação, criando redes de distribuição nacionais via aplicativos de mensagem, para os conteúdos e narrativas desinformacionais que criam em suas corporações religiosas.
Diante deste contexto, vale unir esforços em prol do direito à informação como direito inalienável de todo ser humano. A restrição do acesso dos cidadãos à informação compromete diretamente a liberdade destes, tornando-os massa de manobra nas mãos de mercadores das mentes e mercadores da fé, comprometendo a democracia e a vida em sociedade.
E, é, portanto, no sentido de unir forças contra a desinformação e contra a cultura do ódio que nos próximos dias estaremos lançando a Rede Nacional de Combate à Desinformação-RNCD. Namastê!