É falso que vacinas para a COVID-19 modificam o material genético humano
Recebemos, por meio de parceria com o aplicativo Eu Fiscalizo da Fiocruz (disponível para Android e iOS), um vídeo produzido pelo jornalista e também servidor da Câmara dos Deputados, Cláudio Lessa. No vídeo, o jornalista afirma que as vacinas em desenvolvimento para combater a COVID-19 podem interferir diretamente no material genético do ser humano, ocasionando mutações. A publicação ganhou destaque ao seu divulgada no site Jornal da Cidade Online, citado na CPMI das Fake News, e pelo compartilhamento na página da deputada Bia Kicis (PSL-SP), investigada em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo financiamento de notícias falsas.
Com informações da Agência Lupa, as alegações feitas por Cláudio Lessa são falsas. As vacinas da Covid-19 não alteram o material genético do ser humano, ao contrário do que afirma a publicação original e o respectivo vídeo mencionado. A vacina chinesa mencionada no vídeo é feita a partir do vírus inativado, a tecnologia mais tradicional para a produção de imunizantes.
Enquanto isso, as denominadas vacinas de plataforma RNA, uma tecnologia relativamente nova que ainda não foi aprovada para uso comercial, não alteram o código genético do ser humano. Na verdade, o chamado RNA mensageiro, ou mRNA, entra em contato com as células humanas e possibilita que elas produzam proteínas específicas de um patógeno – que passam a ser reconhecidas pelo sistema imunológico. No entanto, essa tecnologia não tem qualquer efeito no DNA da célula.
De acordo com o Projeto Comprova, há 173 vacinas para a covid-19 em estudo, segundo um levantamento da OMS. Pelo menos 20 delas usam tecnologia mRNA e duas já estão na fase 3 de testes em humanos: a da Moderna, em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID), e a da Pfizer em parceria com a BioNtech.
Geralmente, as vacinas usam o vírus desativado ou pedaços de proteínas do vírus para provocar uma resposta imune no organismo. As vacinas de mRNA têm pedaços do código genético do vírus, o RNA. Esse material é introduzido nas células do paciente dentro de lipossomos — pequenas bolhas de gordura — e faz com que o próprio corpo humano passe a produzir essas proteínas do vírus.
A pesquisadora Cristina Bonorino explica ao Comprova que a tecnologia está em estudo há mais de duas décadas, mas a pandemia acelerou o debate. “As de covid-19 vão ser as primeiras [vacinas produzidas com essa tecnologia]. Já fazia muito tempo que essa discussão estava em andamento para liberar essas vacinas porque tem evidência robusta de que ela funciona e ela não tem efeitos adversos graves”, lembra.
As vacinas mRNA têm um custo menor e podem ser produzidas mais rapidamente. Outra vantagem é que elas são sintéticas, ou seja, não manipulam vírus vivo, apenas parte do seu material genético.
Na iniciativa educativa COVID Verificado da USP, também há o esclarecimento de maneira lúdica em relação aos tipos de vacina. Na postagem, pode-se conhecer as vacinas de microrganismos inteiros, vivos enfraquecidos, microrganismos mortos e vacinas de subunidade. Confira a publicação e veja mais do projeto educativo.
Cláudio Lessa e Bia Kicis – Em levantamento apresentado pela Carta Capital, Cláudio Lessa aparece como Analista Legislativo da Câmara dos Deputados e, segundo o Portal de Transparência da Câmara, ganha mais de 34 mil reais mensalmente como salário bruto. Ele chegou à Casa por indicação política do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que atualmente cumpre pena domiciliar por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Bia Kicis, por sua vez, recebe mais de 33 mil reais como deputada federal.
As publicações no site e na página da deputada foram feitas nos dias 24 e 25 de setembro e, juntas, tiveram 232,3 mil interações, considerando curtidas, comentários e compartilhamentos no Facebook.
Em análise do grupo de pesquisa União Pró-Vacina (UPVacina), iniciativa da USP Ribeirão Preto, o post e a matéria foram compartilhados por 79,7 mil usuários, enquanto as outras sete notícias provenientes de sites jornalísticos com maior engajamento no mesmo mês, como Carta Capital, G1 e Folha de S. Paulo, tiveram 79,6 mil compartilhamentos em conjunto.
O alcance foi tão alto que serviu de impulso para as principais teorias conspiratórias dos grupos antivacina, que têm tentado ganhar fôlego entre a população conforme o interesse pelo desenvolvimento da imunização cresce. Ainda em consonância com o estudo do UPVacina, o número de compartilhamentos do vídeo de Lessa foi 52 vezes maior do que a soma de todos os conteúdos produzidos nos principais grupos antivacina no Facebook entre maio e julho.
Na matéria da Carta Capital também é ressaltado que o engajamento no YouTube também foi enorme. Até a redação desta matéria, o vídeo superava as 180 mil visualizações. Outras 350 mil pessoas viram a peça na página da deputada no Facebook. Se ambos fossem apenas um vídeo no YouTube, teriam atingido mais de 530 mil visualizações, superando o vídeo mais visto na plataforma sobre vacinas no mês de setembro, que teve 500 mil reproduções.
O estudo do UPVacina ainda destaca que, no caso do vídeo original no YouTube, além de não existir nenhum aviso sobre notícias falsas, o conteúdo segue sendo monetizado. Isso permite que não a rede, como também Cláudio Lessa lucrem com propagandas de diversas empresas, entre elas oito grandes marcas de destaque no Brasil, diz o levantamento: Mercado Livre, Samsung, Carrefour, MRV, Bradesco, iFood, Gomes da Costa e Natura.
Você também pode saber mais sobre o processo de produção de vacina e as atuais vacinas em desenvolvimento contra a COVID-19, em publicação já realizada pelo NUJOC Checagem. Confira aqui.