Efeitos colaterais da vacina Coronavac superam os benefícios da imunização?
O médico Paulo Porto, ouvido no programa Pânico, pensa que sim
O neurocirurgião Paulo Porto de Melo fez afirmações sobre a vacina de origem chinesa que está sendo produzida em parceria com o Instituto Butantan para imunizar a população brasileira contra o novo coronavírus, a Coronavac. Ele foi entrevistado no programa Pânico, da Rádio Jovem Pan, e um trecho da entrevista foi publicado no Instagram da deputada federal Carla Zambelli, do Partido Social Liberal. O NUJOC recebeu a mensagem para verificação pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz.
Paulo Porto afirma que a vacina chinesa não é segura pois o tempo de produção é muito curto. “Não dá pra você imaginar que uma doença que começou em março, abril, e agora a gente tá em outubro, ‘não a vacina tá pronta, vamo tacá o pau’. Não é assim”, diz. A cautela do médico quanto ao tempo de testes da Coronavac tem fundamento, mas há ressalvas.
É fato que em geral produzir uma vacina é tarefa que demanda mais tempo, via de regra anos. Mas isso não significa que as vacinas atualmente em fase de final de testes, incluindo a chinesa Coronavac, sejam perigosas ou ineficazes somente pelo fato de terem sido alcançadas em menos tempo.
O esforço por produzir vacinas em tempo acelerado se deve em grande parte pelo trabalho conjunto de equipes multidisciplinares, hoje possível pelo avanço tecnológico. E mesmo com a celeridade as regras e procedimentos para a produção, como as fases principais de testes das vacinas, estão sendo observadas no caso das vacinas contra o novo coronavírus, como você pode conferir neste artigo aqui.
Paulo Porto: questões sobre a vacina chinesa. Imagem: Reprodução/WhatsApp
Letalidade – Paulo Porto afirma também que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças – CDC, na sigla em inglês –, maior referência na área da saúde nos Estados Unidos, teria constatado que apenas 6% das mortes atribuídas à Covid-19 foram causadas exclusivamente pelo novo coronavírus.
A informação está incorreta. O que o relatório do CDC diz é que em 94% dos óbitos havia outras doenças, inclusive preexistente, e que em 6% havia apenas a Covid-19. A leitura de que o novo coronavírus causou somente 6% das mortes é enviesada e incorreta, como explica o especialista do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Marcelo Brandão, ouvido pela agência Lupa: “A ideia do CDC foi falar o seguinte: dentro desse universo que nós estamos olhando, 6% [das mortes] não têm ligação com nenhuma outra comorbidade conhecida. Nos outros 94%, existia algum índice de comorbidade que pode sim estar relacionado à doença. A Covid foi uma catalisadora desse óbito”. O NUJOC também já publicou matéria sobre essa informação, que você pode acessar aqui.
Efeitos colaterais – O médico assevera que o risco de efeitos colaterais da vacina chinesa é muito elevado, em torno de 5%, e que a letalidade do vírus, na casa dos 0,3%, torna a vacinação um mal maior do que a própria Covid-19. “Será que não vai matar ou prejudicar mais gente do que a própria evolução da doença?”, interroga o médico.
A afirmação ainda não tem uma resposta definitiva. De fato, há estudo recente que afirma ser a taxa de letalidade da Covid-19 em torno de 0,20%, conforme você pode conferir nesta matéria aqui, da Folha de S.Paulo. Sobre os efeitos colaterais apresentados pela Coronavac, em torno de 5%, eles são aceitáveis, na avalição do neurocirurgião Fernando Gomes, ouvido nesta matéria da CNN Brasil. “Dor no local da aplicação, febre moderada e perda de apetite são efeitos colaterais aceitáveis e que têm relação com a aplicação da vacina”, afirmou o médico. É certo que há uma relação de custo-benefício, que cabe avaliar. Daí a importância de ouvir todas as vozes do debate, como é o caso da opinião do médico Paulo Porto.
Para concluir, o neurocirurgião sugere que o gigante asiático sabia com antecedência da epidemia, e que por isso tinha já disponíveis milhões de equipamentos de proteção individual no momento da eclosão do vírus. Por essa lógica, o país teria lucrado com a pandemia.
A afirmação é falsa. A China não programou o novo coronavírus, como mostram essas reportagens aqui e aqui. O país já concentrava grande parte do trabalho manufaturado mesmo antes da pandemia. Teorias conspiratórias associam o país aos mais diversos males, como a criação intencional de doenças. Essas teorias se alimentam da xenofobia contra os chineses, mas têm como base a guerra comercial entre as potências mundiais, sobretudo os Estados Unidos, cujo presidente, Donald Trump, costuma alimentar o sentimento anti-chinês reiteradamente. Ele endossou desde o início o boato infundado de que o vírus foi produzido na China.
O trecho destacado pela deputada Carla Zambelli, que é aliada do governo Bolsonaro, acontece no momento em que partidos e candidatos se preparam para as eleições municipais, já de olho no pleito presidencial de 2022. Nesse contexto, os “contra” ou “a favor” da vacina de origem chinesa, que está prestes a ser lançada pelo estado de São Paulo, repetem a polarização política, pois o governador do estado, João Doria, do PSDB, é opositor do governo federal.
A polarização em torno da vacina é o episódio mais recente da luta ideológica que marca a pandemia do novo coronavírus. A agência Lupa também fez uma checagem sobre a fala do neurocirurgião Paulo Porto no programa Pânico. Confira aqui.