Geofísico afirma que a salvação está na Bíblia
Afonso de Vasconcelos, do canal “Ciência de Verdade”, comenta um vídeo em que menino é obrigado a deixar a escola em maca fechada após detecção de febre
Um menino é levado para fora de um estabelecimento, onde um grupo de quatro adultos, cobertos de aparatos protetores da cabeça aos pés, o coloca numa maca fechada. Em pânico e aos berros, a criança chora. A maca é selada e levada para dentro de uma ambulância. A cena choca pela frieza da equipe de adultos. Em cima disso, o cientista Afonso de Vasconcelos, geofísico formado pela Universidade de São Paulo, faz uma peroração contra a desumanidade da ciência. Este é o resumo do vídeo, que tem cerca de 12 minutos de duração, e que chegou até nós para checagem pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz.
Chamado de “A grande obra da ciência moderna”, o vídeo tem data de postagem de 5 de outubro e mais de 23 mil visualizações até esta data, e o canal do cientista tem quase 400 mil inscritos.
Até o momento, não conseguimos atestar a veracidade do vídeo. Fizemos buscas pelo Google com palavras relacionadas à cena, mas sem retorno de qualquer veículo de mídia. Sendo assim, ficamos em modo de investigação quanto a esse ponto, que é a base da fala do cientista para fazer sua crítica ao que ele chama de “A grande obra da ciência moderna”. É importante fazer essa ressalva porque há muitos vídeos falsos circulando pela rede.
Ironias – “Tudo isso aqui é uma coisa bem científica”, descreve ele. “Máscara, proteção no pé, e agora a gente tem essa novidade que é uma maca em formato de sarcófago”, ironiza. Você confere o vídeo na íntegra neste link.
Ao comentar o vídeo, o cientista emite sua opinião pessoal sobre assuntos como a falta de reação das pessoas, e dos homens em especial, a influência da televisão e o paganismo do carnaval. Ele ataca a falta de recursos para as festas e celebrações religiosas. “Lembrem-se que todo mundo que está fazendo esse monte de desgraça pro mundo, eles não são… não seguem a Bíblia, os caras maus do mundo”, afirma o cientista. Diz que hoje é pecado falar sobre a Bíblia. “Se não fosse o Criador, nós estaríamos perdidos”, afirma ele, para refutar a noção segundo a qual a ciência seria a salvação.
Argumentar contra a ciência a partir da Bíblia não permite avançar no debate sobre a racionalidade, porque a fé não se estrutura como o método científico. Em que pese a eventual boa intenção, o comentário de Vasconcelos só faz aumentar a descrença em torno da verdade científica, contribuindo dessa forma para reforçar teorias conspiratórias ou crenças infundadas que têm inundado a internet nos últimos anos.
Argumento – O argumento de Vasconcelos leva a entender que por causa das promessas vãs da ciência é que vemos cenas como a do garoto em pânico sendo levado por cientistas em uma maca fechada. Ele apela para a sensibilidade e o bom senso, e nisso ganha a simpatia dos milhares de assinantes do seu canal. É um ponto de vista que deve ser considerado – e aliás já vem sendo considerado há bastante tempo por todos os que se dedicam a pensar sobre a ciência de forma responsável.
Tudo isso no entanto não significa que ciência e religião façam parte do mesmo sistema de verdades. A primeira está circunscrita à realidade factual, à experiência e à prova. A segunda diz respeito às crenças e percepções subjetivas, que não passam pelo crivo do método científico. Ao tentar conciliar as duas esferas da cultura, o cientista faz um alerta sobre a indiferença da ciência face ao sofrimento humano. De fato, ver uma criança aos berros sendo forçada a entrar numa ambulância desperta desconfianças sobre a humanidade do método científico.
O problema é generalizar e fazer dessa desconfiança de cunho humanitário um argumento contra todo o edifício da ciência. No contexto atual de polarização, essa tem sido uma tendência forte do debate público, como se houvesse necessidade de incompatibilizar religião e ciência, em clima de torcida de futebol. Sai perdendo a verdade – tanto a científica como a religiosa.
Afonso de Vasconcelos é um dos únicos cientistas brasileiros que defende a tese de que a Terra é plana, se alinhando com essa postura a outros cerca de 11 milhões de brasileiros, conforme você pode conferir nesta matéria aqui.