Mãe de Bruno Graf, morto por reação adversa da AstraZeneca, discursa contra “passaporte da vacina”
Por Marcio Granez
Ela alega que os imunizantes oferecem risco e afirma que a exigência do passaporte é uma atitude nazista e comunista
Está circulando um vídeo com data de 2 de dezembro do discurso que Arlene Ferrari Graf fez na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Ela é a mãe de Bruno Oscar Graf, que morreu em 26 de agosto de um acidente vascular cerebral (AVC) dias depois de tomar a vacina da AstraZeneca contra a Covid-19. O material foi enviado para checagem pela equipe do Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz.
Em cerca de dez minutos de discurso na tribuna, em tom emocionado, Arlene Graf afirma que seu filho, advogado de 28 anos, morreu de AVC dez dias após ser vacinado com a primeira dose da AstraZeneca. Segundo ela, o óbito decorreu dos efeitos colaterais da vacina.
De fato, a causa da morte de Bruno Oscar Graf foram os efeitos adversos da vacina da AstraZeneca, conforme você pode conferir nesta reportagem. A Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina – DIVE-SC fez o levantamento de casos suspeitos de reações adversas: “Segundo a DIVE-SC, os EAPV (Eventos Adversos Pós-Vacinação) contra a Covid-19 em Santa Catarina representaram 0,1% do total de doses aplicadas na população catarinense no período de 18 de janeiro a 30 de setembro de 2021. Do total de 8.790.520 doses aplicadas nesse período, foram notificados 10.251 casos suspeitos de EAPV em todo o Estado”. Esta matéria da Revista Oeste traz trechos do relatório da DIVE-SC.
No entanto, o óbito de Bruno Graf não implica que as vacinas sejam perigosas ou que a opção mais adequada seja ignorá-las, como sugere Arlene Graf em sua fala. Especialistas afirmam que os riscos de morrer de AVC são maiores em quem não for imunizado. Casos como o de Bruno são bastante raros, como demonstram os números do relatório catarinense.
É importante ressaltar que nenhuma vacina é 100% segura, como lembra o médico infectologista Esper Kallás, nesta matéria da Folha de S.Paulo. Mas ele adverte: “Precisa estar claro, contudo, que a chance de ocorrerem novos casos, internações e mortes pela Covid-19 em vacinados é muito, mas muito menos comum que em quem não tomou a vacina. Tal constatação parece persistir com todas as variantes do novo coronavírus, até então, incluindo a delta”.
A avaliação feita pelos cientistas e profissionais leva em conta que um número mínimo de óbitos vai decorrer de reações às vacinas, o que não significa que deixar de se imunizar seja a melhor opção.
Passaporte sanitário – Depois de relatar a morte do filho, Arlene Graf passa a atacar o chamado “passaporte sanitário”, exigência de comprovar a vacinação para ter acesso a determinados lugares: “Deus nos fez livres e assim devemos permanecer. Vacina não é a solução, ela é parte do problema”. Ela questiona a eficácia das vacinas, atribuindo-lhes efeitos colaterais graves e morte: “Eu recebo relatos diariamente de pessoas vacinadas que estão morrendo de AVC, de miocardite, de trombose, de mal súbito, tendo síndrome de Guillain-Barré e muito mais”.
O ataque de Arlene Graf às vacinas não procede. Todos os estudos realizados até o momento comprovam a eficácia das vacinas, e os números de infectados e mortos no país decaíram de forma consistente desde o início da campanha de imunização. Especialistas costumam afirmar que os benefícios da vacinação superam largamente os riscos potenciais.
Nazistas e comunistas – Na parte final de seu discurso na assembleia do estado de Santa Catarina, Arlene Graf afirma que exigir o passaporte da vacinação e forçar as pessoas a se vacinar faz parte de um plano maligno, de cunho nazista e comunista: “Existe algo muito maior e maligno. Trata-se [de] uma guerra espiritual do mal contra o bem. Eu imploro para quem nos ouve, que pesquise na internet e ouçam quem os alerta. […] Pesquisem sobre a nova ordem mundial. Agenda 2030. Sobre o nazismo, sobre o fascismo, sobre o comunismo […] Regimes que agem tirando os direitos fundamentais dos indivíduos. Por exemplo, não querem que você decida sobre se vacinar ou não se vacinar. Por que eles têm de decidir sobre isso? Somos nós que temos de nos decidir! […] Passaporte sanitário é a estrela amarela de Hitler, gostem ou não!”.
Em resumo, nas palavras de Arlene Ferrari Graf, o passaporte sanitário “trata-se de um instrumento de controle social em massa para um sistema totalitário e comunista”.
Em que pese a emoção e a dor associadas à perda de um ente querido, as afirmações da mãe de Bruno Graf não têm sentido. Equiparar os esforços para controlar uma pandemia a uma guerra santa e às atitudes de governos autoritários confunde e induz a erro. Isso porque, numa situação de crise sanitária como a da Covi-19, há risco real de que os não imunizados passem a representar um perigo a toda a população, já que podem transmitir o vírus e favorecer o desenvolvimento de mutações como a delta e a ômicron. Diante de tal quadro, medidas excepcionais mas pouco populares – lockdown, uso de máscaras, vacinação obrigatória etc. – são necessárias, em nome do bem comum, como afirma o médico Dráuzio Varella neste vídeo.
Na história da saúde pública nacional houve casos famosos de revolta contra a obrigatoriedade da imunização em massa. Em 1904, por exemplo, a população do Rio de Janeiro, então capital da República, se revoltou contra as obrigações impostas pelo governo para controlar um surto de varíola, no episódio conhecido como a Revolta da Vacina. Olhando em retrospecto, no entanto, foram medidas necessárias.
Dessa forma, o discurso de Arlene Ferrari Graf contra o passaporte da vacina induz a erro e a desinformação. Ao contrário do que ela afirma, o risco associado às vacinas da Covid-19 é bastante raro, as vacinas são seguras e eficazes, e não existe relação entre nazismo, comunismo e a exigência do chamado “passaporte da vacina”. O Nujoc já fez checagens sobre possíveis efeitos colaterais das vacinas, incluindo o riso de AVC. Confira aqui e aqui.