Médico incentiva uso de tratamento precoce no combate à COVID-19
Durante a Sessão de Debates Temáticos com a discussão “Análise de uso de tratamento profilático no combate à COVID-19”, realizada pelo Senado em 15 de março, o médico neurocirurgião Paulo Porto de Melo promoveu alegações a favor de adoção do tratamento precoce no combate à COVID-19. O vídeo foi encaminhado até a nossa equipe, por meio do aplicativo Eu Fiscalizo da Fiocruz (Disponível Android e IOS).
A ocasião que teve transmissão da TV Senado, contou com a participação de parlamentares e diferentes médicos. O resumo da reunião pode ser acessado aqui. Entre os pontos deferidos por Paulo Porto de Melo é que o Brasil pode estar na vanguarda do enfrentamento da covid-19 com o uso dos medicamentos, como Hidroxicloroquina, Azitromicina e Ivermectina. O médico também cita que o atual momento de colapso na saúde pública com a ausência de leitos hospitalares é consequência da falta do tratamento precoce.
Tratamento precoce tem eficácia? – Com informações da BBC Brasil, esse mix farmacológico (Hidroxicloroquina, Azitromicina e Ivermectina) não é reconhecido ou chega a ser contra-indicado por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Despontando como promissor, a hidroxiclorina apareceu como uma esperança no início da pandemia em março de 2020, após publicação de estudo chinês. No entanto, entre os meses de junho e julho, começaram a ser publicados estudos mais robustos a respeito do tema. Eles mostravam que o medicamento realmente não funcionava em qualquer estágio da doença, seja antes do início dos sintomas, seja no leito de uma UTI.
“Atualmente, temos uma enorme quantidade de evidências mostrando que a hidroxicloroquina não é efetiva como tratamento da doença nos quadros graves, nos leves ou como profilaxia, para impedir que o vírus invada nossas células”, afirma a pneumologista brasileira Letícia Kawano-Dourado, que faz parte do painel da Organização Mundial da Saúde (OMS) que desenvolve diretrizes de tratamento contra a COVID-19 em entrevista à BBC Brasil.
Outro ponto é que de acordo com documento da Sociedade Brasileira de Infectologia, outros efeitos adversos são retinopatias, hipoglicemia grave e toxidade cardíaca. Por isso, é “exigido contínuo monitoramento médico dos indivíduos em uso da cloroquina ou hidroxicloroquina”. E outros efeitos colaterais possíveis são diarreia, náusea, mudanças de humor e feridas na pele.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) emitiu a seguinte nota acerca do remédio:
“As evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto não haja evidências científicas de melhor qualidade sobre a eficácia e segurança desses medicamentos, a Opas recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis.”
Confira o texto na íntegra.
Sobre a ivermectina, mais um medicamento que surgiu como promissor ao tratamento contra a COVID-19 também não tem eficácia comprovada. Os resultados das pesquisas feitas até agora ficam, então, contraditórios. Uma delas, do Centro Internacional de Doenças Diarreicas de Bangladesh, por exemplo, até revela uma diminuição da carga viral dos pacientes com covid-19, sem que isso resulte numa melhora significativa dos sintomas.
Um trabalho do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha aponta que o uso da ivermectina aliviou um pouco os incômodos da infecção num grupo de voluntários tratados. Porém os próprios autores admitem a necessidade de testes clínicos maiores para confirmar as observações.
Nesse sentido, fica perceptível que essas investigações são muito pequenas, com poucos participantes, e não têm significado prático. Tanto que as principais entidades de saúde do mundo, como os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, não indicam o uso dessa droga como tratamento da covid-19.
Por último, esclarecemos em relação à administração de azitromicina. Em setembro de 2020, um estudo de pesquisadores brasileiros publicado na Lancet, a segunda revista médica mais influente do mundo, afirmou que o medicamento não leva a melhoras em pacientes hospitalizados e, portanto, não tem indicação de uso para casos graves.
“Gostaríamos muito que tivesse funcionado, porque é um medicamento barato, conhecido e normalmente bem tolerado na questão dos efeitos colaterais”, disse Luciano Cesar Pontes de Azevedo, médico do Hospital Sírio-Libanês e parte da equipe que assina o artigo no Lancet, em entrevista à BBC News Brasil.
Em entrevista ao G1 em 24 de março, o médico Alexandre Naime afirma: “O que eu mais queria era uma medicação que funcionasse, o que a gente não pode é transformar o kit Covid em um kit ilusão, que não tem benefício. Não é que a gente é contra o tratamento precoce, muito pelo contrário, mas isso precisa ser feito com drogas que realmente funcionem.”
O médico de Botucatu (SP) é membro do Núcleo Executivo do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 da Associação Médica Brasileira (AMB). Inclusive a referida instituição divulgou botetim condenando o uso dos medicamentos mencionados aqui no tratamento à COVID-19.
No documento, a AMB afirma que medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da doença e, por isso, devem ser banidas. (Veja o documento na íntegra.)
Cidade de Porto Feliz (SP) e o tratamento precoce – Mencionada como exemplo pelo médico Paulo Porto de Melo a ser seguido, é falsa a informação que o município não tenha registrado nenhum óbito após adoção de tratamento precoce. Com informações do Uol, a cidade só começou a divulgar boletins em agosto. No dia 1º daquele mês, a cidade já tinha 10 óbitos. Desde então, mais 6 pessoas morreram de COVID-19 em Porto Feliz, totalizando 16 vítimas até esta quinta-feira (26).
Outra informação veiculada pela Veja é que a cidade registrou mais mortes em razão da doença neste primeiro trimestre do que em todo o ano passado.
Segundo boletins epidemiológicos da prefeitura, mais da metade desses registros ocorreram neste ano: foram 24 mortes e 2.939 casos registrados até o dia 23 de março.
Nos últimos quatorze dias, a taxa de casos por 100 mil habitantes em Porto Feliz foi de 827,9, muito acima da média do estado de São Paulo no mesmo período, que foi de 443,3 — o índice de letalidade, no entanto, é de 1%, inferior à média estadual (2,9%).