Novas faces do capitalismo e o neocolonialismo
Ana Regina Rêgo
Várias abordagens teóricas nas ciências econômicas, nas ciências da informação, na tecnologia de dados, na história, na filosofia e na sociologia vem tentando trazer perspectivas distintas sobre o momento em que vivemos e contribuir de algum modo para desvelar os fenômenos que correm em rios subterrâneos digitais e cujos tentáculos nos envolvem diuturnamente.
No início da década passada, Alexander Nix apresentava o principal produto de sua empresa, a Cambridge Analytica, como o novo petróleo. Esse produto não era a mineração de dados pura, mas a mineração de dados orientada por métodos da psicometria que possibilitavam detalhar os perfis psicológicos de usuários de plataformas digitais. Isso possibilitou a Cambridge Analytica intervir nos destinos políticos dos Estados Unidos, Inglaterra e Índia, dentre outros países onde atuou, durante seu curto período de existência no mercado.
Em 2017, a revista The Economist apresentou em sua capa da edição de número 40 daquele ano, a expressão: Dados são o novo petróleo, o que para Nick Couldry, pesquisador e professor do The London School of Economics and Political Science-LSE, se configura numa referência potencial ao colonialismo tradicional.
Nick Couldry autor do livro The Costs of connection: How Data is colonizing Human life and appropriating it for Colonialism, em entrevista ao Instituto Humanitas UNISINOS apresenta sua teoria sobre o capitalismo de dados e o novo estágio de colonialismo humano.
Para este cientista, o capitalismo entrou em uma nova era que não somente envolve a produção de conhecimento, cientifica e tecnológica, mas a vincula ao lucro das grandes empresas multinacionais de tecnologia, e, em consequência desenvolve um novo tipo de colonialismo, que seria o colonialismo de dados, sobretudo, porque a fusão entre o conhecimento e o mercado se dá pelo domínio privado dos dados do público. O conhecimento sobre todas as informações pessoais e coletivas encontram-se nas mãos de poucas empresas no mundo, o que ocasiona o uso privado e intencional voltado para a lucratividade, no caso, em potencial, das grandes plataformas digitais que em certa medida já se alastram também por outros ecossistemas digitais. Em suma, a sociedade mundial, não tem a mínima ideia de como onde e como está sendo usada, muito menos com que objetivos.
A mínima ideia talvez seja exagero meu, já que muitas análises tem nos ajudado a compreender e interpretar o mundo que permite que esses fenômenos aflorem, iniciando com Baudrillard na década de 1980, até chegarmos ao autor que aqui trabalhamos, Nick Couldry, além de Shoshana Zuboff, Boaventura de Sousa Santos, Slavof Zizek, dentre muitos outros. Por outro lado, produtos audiovisuais tem dado sua contribuição, a exemplo dos documentários Privacidade Hackeada e O Dilema das redes, além de ficções como A Rede de ódio.
Entretanto, o que tenta nos trazer Couldry é que o capitalismo denominado por ele e por outros, de capitalismo de dados, está nos impondo uma nova ordem social que está se configurando a partir da vigilância como requer Shoshana Zuboff e Ana Regina Rêgo, em perspectivas diferentes; como também a partir da economia da atenção, ou mesmo do capitalismo digital, mas, para Couldry é importante perceber que existe algo muito importante acontecendo com os dados e que está sendo usado para uma configuração geopolítica mundial, em suas palavras “ uma nova fase nas relações entre colonialismo e capitalismo, uma relação que existe há 500 anos pelo menos. Pois foi o colonialismo histórico, começando pela América Latina em 1500 aproximadamente, que pavimentou o caminho para o que conhecemos, hoje, como capitalismo”.
Tomando a metáfora do petróleo como representante de um pensamento colonialista, Couldry diz que não se trata tão somente de uma metáfora, entretanto de um novo modo de produção capitalista que se apropria de novos tipos de ativos. O colonialismo se apropriava de terras, de riquezas minerais, de produtos agrícolas, de pessoas que eram escravizadas, etc., já o novo colonialismo aliado ao capitalismo de dados, tem procurado se apropriar da essência da humanidade, não são apenas nossos dados como nome, endereço, número de contas bancárias, cartões de crédito, número de cadastro de pessoa física-CPF, número no cadastro do registro geral -RG; a garimpagem e mineração de dados se apropria dos nossos valores, de nossas expressões de conhecimento, através dos modos como nos expressamos e nos colocamos no mundo por meio das redes sociais. Para Couldry vale lembrar que o “o colonialismo histórico não morreu, muito embora as instituições dos governos coloniais tenham desaparecido. As relíquias, as sobras do colonialismo histórico ainda continuam e coexistem com este novo colonialismo de dados e seu legado”.
Como propõe Couldry o colonialismo de dados é em si, uma nova ordem social e econômica que tem a apropriação da vida humana como meta, possibilitada pela crescente e constante extração de dados, com vistas ao lucro. Nesse sentido, “ é um modo de configurar o mundo inteiro, de tal forma que um recurso novo possa ser extraído- e esse recurso é a vida humana a partir da qual se pode extrair um valor econômico”.
Essa visada de Couldry é similar à nossa já defendida neste espaço opinativo desde 2017, e que consiste na mímese de que nas plataformas digitais não somos mais que escravos e que somos explorados de todas as formas quando atuamos nas redes, mesmo quando apenas estamos presentes, mas sem nos manifestarmos publicamente, terminamos viajando pelos links que nos surgem e pelas ideias que vão nos desviando a atenção. Nossa atenção é um dos principais produtos vendidos hoje no mundo virtual.
Para Couldry, o colonialismo de dados possui objetivos similares ao colonialismo tradicional, qual seja: _explorar alguns para o enriquecimento de poucos.
No que concerne a abrangência dos colonizadores no novo capitalismo de dados, Couldry ressalta que não se trata tão somente das grandes plataformas, mas também de perceber o escopo de plataformas que envolve as mais variadas áreas da vida humana, tais como a economia gig onde dominam aplicativos como Uber, Lyft e plataformas como o Airbnb. Em todos esses espaços verificamos uma expansão massiva da vigilância e do monitoramento dos humanos, em alguns casos voltando ao estágio de trabalho com baixo status sem direito algum.
Vale pensar que entre as grandes plataformas de mídias digitais, de transporte, de hospedagem, de entrega de comida, há pontos comuns que potencializam a extração de dados, a vigilância, o controle e o julgamento. Para ler e compreender mais sobre a visada de Nick Couldry sobre o capitalismo e o colonialismo de dados acesse: http://www.ihu.unisinos.br/607425-pela-primeira-vez-na-historia-humana-a-producao-de-conhecimento-funde-se-com-a-producao-de-lucro-entrevista-especial-com-nick-couldry