Nujoc Checagem verifica declarações de Dr. Marcos da Amazônia sobre origem e protocolo da Covid-19
Um médico que se identifica como Dr. Marcos da Amazônia e que diz atuar no ramo há 32 anos faz uma série de afirmações a respeito da origem e supostos benefícios da cloroquina, em vídeo divulgado em seu próprio canal, em 5 de abril de 2020. O material foi denunciado ao aplicativo Eu Fiscalizo da Fiocruz, parceiro do Nujoc Checagem. Confira a seguir a verificação das principais falas contidas no vídeo:
“A América do Sul pode salvar o mundo, porque foi daqui que nasceu a cloroquina. De onde? Dos Andes, tá? Dos nativos dos Andes. Isso eu digo por que existe uma história com duas versões: a versão espanhola, que quando eles fizeram as suas incursões aqui, um soldado deles ficou doente e viu que “dum” lago, de uma árvore caída saía um líquido amargoso que ele bebeu e ficou bom. Já os nativos dizem o seguinte: eles eram muito ligados aos felinos e a suçuarana, quando vinhas às vezes doente, capenga, às vezes meio requentada, era febre, aí ela comia uma casca de pau, essa árvore chama-se sinchona [chinchona] e dali então saía um pó amarelo que misturava, transforma em líquido, muito amargoso, era o quinino, de onde veio a cloroquina e veio para ser tratada a malária”
Segundo André Felipe Cândido da Silva, que é pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz, professor do programa de pós-graduação em História das Ciências e da Saúde e ex-editor-científico da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, a cloroquina foi “originalmente desenvolvida para tratar da malária, surgiu do esforço sistemático da indústria químico-farmacêutica em encontrar um substituto sintético para a quinina, conhecida desde a colonização espanhola das Américas e por séculos utilizada como principal tratamento contra os acessos febris que caracterizam a doença”.
Ainda de acordo com o pesquisador, o princípio ativo da quinina foi isolado pela primeira vez em 1820, pelo franceses. Já nesta época foram observados diversos efeitos colaterais, como alterações visuais e distúrbios gastrintestinais. Outro problema para o uso da substância em larga escala foi o monopólio da chinchona pelos holandeses, planta da qual é extraída a quinina.
Este entrave levou à busca de uma substância que substituísse a quinina no tratamento da malária. A publicação com a história completa sobre a origem da cloroquina está disponível aqui.
Em nenhum momento na publicação ele menciona a história contada pelo Dr. Marcos, mas afirma que a quinina é conhecida desde a colonização espanhola. Estamos buscando confirmar a veracidade ou não desta informação.
“O protocolo está sendo totalmente errado. Tá comprovado que a cloroquina do jeito que tá indo, não está correto, tá matando gente. Ou seja, porque mesmo com o uso da cloroquina do jeito que estão usando, depois do 4º dia se complicar… Depois de complicar vai morrer! Eu tô falando pra vocês do Ministério da Saúde! Ei, ministro, vai morrer! Parece até – parece, não tô acusando -, mas parece até que ou é incompetência ou se então se for proposital é crime”. (…) O Dr. Zelenko [Vladimir Zelenko, um médico de Nova York] foi o primeiro que surgiu com esse protocolo, fazendo até sem internamento. Olha, mesmo domiciliar. Já pensou? Tratamento domiciliar com cloroquina, sulfato de zinco e azitromicina pra evitar, pra combater qualquer infecção. Pronto! É o tratamento que ele tá usando, que tá dando certo. 699 paciente com morte zero, zero! E aqui morrendo, sabe porquê? Entrando tardiamente [no tratamento com este protocolo]”.
Conforme aponta checagem do Projeto Comprova, publicada em 6 de abril de 2020, “o estudo feito por Zelenko não tem comprovação científica, não foi publicado em nenhum periódico médico e a única evidência de sua existência são as declarações do próprio autor da suposta pesquisa”.
Ao contrário do protocolo que foi adotado no início da pandemia, ainda na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, o Dr. Marcos sugere que o correto seria utilizar a cloroquina antes mesmo do quarto dia de sintomas. Independentemente do dia de início do tratamento, o que as autoridades em saúde e pesquisadores têm defendido é que a cloroquina é ineficaz no combate à Covid-19, ainda que indicada para uma série de doenças, a exemplo da malária. Em maio, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Imunologia publicou um parecer científico indicando que a indicação para o uso desses fármacos no combate ao coronavírus era “precoce”.
O protocolo foi alterado em 20 de maio de 2020, quando foi autorizado o uso da cloroquina e hidroxicloroquina para casos leves da Covid-19, mediante prescrição médica e com assinatura de termo de consentimento pelo paciente. O protocolo foi alterado pelo então ministro interino da Saúde, hoje efetivo, general Eduardo Pazuello.
Em abril, Mandetta “liberou” os médicos para que prescrevessem a cloroquina e a hidroxicloroquina para os pacientes críticos com Covid-19, mas sem uma recomendação oficial. Na época, ele foi bastante pressionado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores a adotar a medida.
“No momento, o que a gente faz é disponibilizar para aqueles pacientes de gravidade média e avançada. A prescrição médica, o CRM, a caneta está na mão deles. Se quiser comunicar ao paciente dele, ‘olha, não tenho nenhuma evidência, acho que poderia usar esse medicamento, com tal e tal risco, podemos ter isso, e se responsabilizar individualmente, não tem óbice nenhum e ninguém vai reter receita de ninguém”, afirmou Mandetta à época, conforme divulgado por matéria do Estado de Minas.
A discordância de Mandetta quanto ao uso irrestrito da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 foi, inclusive, um dos motivos pelos quais Mandetta deixou o comando do Ministério da Saúde.
Foto da capa: Sus Conecta