O FACEBOOK E A DESINFORMAÇÃO

 O FACEBOOK E A DESINFORMAÇÃO

Por Ana Regina Rêgo

Semana passada falei nesta coluna sobre a relação do YouTube com a desinformação, considerando que a plataforma de vídeos é um lugar privilegiado para produção, circulação e grande monetização da desinformação em todas as áreas que são alvo de narrativas mentirosas, descontextualizadas e/ou manipuladas.

Hoje nossa análise recai sobre o Facebook que como já falei em outros momentos neste espaço de jornalismo opinativo é considerado por muitos pesquisadores/cientistas de várias áreas, como um abutre de dados. Dados que a plataforma processa e transforma em capital de predição, vendido de forma estratégica ao mercado que, por sua vez, também não tem domínio sobre o que está comprando, nem tampouco, sobre o que está patrocinando. Vale destacar que pontualmente, a plataforma vem informando melhoria na sua política de transparência e de desmonetização da desinformação, que no entanto, não tem surtido resultados amplamente positivos para a sociedade, que permanece refém tanto do modelo de negócios das plataformas, como da desinformação holística.

No começo da década passada, Michal Kosinski, na época pesquisador de Cambridge e atual professor da Universidade Stanford, desenvolveu uma pesquisa que já revelava que o Facebook já tinha como saber muito de cada usuário, a saber:  com base em uma média de 68 likes no Facebook por usuário, era possível prever sua cor da pele (95% de precisão), sua orientação sexual (88%) e sua filiação aos partidos Democrata ou Republicano (85%).  Posteriormente, seu modelo foi aprimorado e outras temáticas da vida humana em sociedade foram incluídas na extração de informações dos usuários, tais como, afiliação religiosa, bem como uso de álcool, cigarro e drogas etc. Poucos anos depois, já era possível conhecer quase tudo sobre seus usuários. Com 70 curtidas era possível para saber mais de alguém do que seus amigos, com 150 mais do que os pais. Para conhecer uma pessoa mais do que o seu parceiro, bastavam 300 curtidas. Com mais likes do que isso, era possível conhecer mais até do que a própria pessoa sabia sobre si. Quando Kosinski publicou os resultados de sua pesquisa o Facebook o ameaçou com um processo judicial, mas também lhe fez uma oferta de emprego.

De lá para cá se passaram uma década e os modelos de mineração de dados da população mundial foram e estão sendo aprimorados constantemente. Para além disso, a desinformação que engatinhava como estratégia de lucratividade e de polarização política transformou-se em um mercado de dimensões impensáveis e, em um problema extremamente sério que tem plantado o ódio, destruído democracias e levado pessoas à morte durante a pandemia da Covid-19.

Uma recente pesquisa da Avaaz revela como o Facebook alimenta a desinformação sobre a crise climática e remunera plenamente este mercado.

A pesquisa da Avaaz tem como premissa que os negacionistas do clima e que produzem diuturnamente desinformação sobre o tema, estão mudando as estratégias e apostando não em um negacionismo total, mas em narrativas mais sutis e que procuram plantar a dúvida sobre a eficiência de energias renováveis.

Segundo o relatório final, a  pesquisa sugere ainda que o Facebook não está preparado para lidar com o cenário crescente e em evolução da desinformação climática. Por exemplo, as postagens de desinformação de melhor desempenho na amostra geraram mais interações do que postagens factuais sobre clima e energia do New York Times e do Washington Post . Além disso, as postagens sem um rótulo de verificação de fatos representaram 45% de todas as visualizações estimadas, enquanto já em 2021, 73% das visualizações observadas pelos pesquisadores foram em conteúdos falsos ou enganosos relacionados a questões climáticas como tempestades e quedas de energia etc.

Os realizadores da pesquisa enfatizam ainda que somente nos primeiros meses do governo de Joe Biden, cuja política difere potencialmente da anterior, de Donald Trump, no que concerne às questões ambientais e climáticas, visto que Biden prioriza tais questões, a desinformação tem crescido de forma potencial, em diversas plataformas e no Facebook também, ao passo em que a plataforma não parece estar preparada, ou, não tem muito interesse nesse combate.

Como falamos em diversos momentos anteriores, o mercado da desinformação tem crescido de modo exponencial e cada nicho possui uma lucratividade exorbitante. Falamos aqui do lucro anual do movimento antivacina que movimenta milhões de dólares somente nos Estados Unidos, mas o mercado da desinformação sobre o clima possui indústrias que trabalham com combustíveis fósseis e carvão, e que possuem grande interesse comercial, em práticas que degradam o  meio ambiente, o que as motiva a patrocinar o mercado da desinformação. Segundo o relatório, organizações de negação das mudanças climáticas, como o Instituto Heartland, foram apontadas como as que mais atuam de modo incisivo e utilizam diversas estratégias para fazer com que a desinformação seja eficaz e com que os objetivos pretendidos na audiência, sejam alcançados.  Uma delas é o recrutamento de celebridades que são pagas para negar as mudanças que estão em curso, a próxima estratégia envolve publicar materiais que incluem pesquisas manipuladas e que trazem um discurso de negação do clima. Explorar o jornalismo que tradicionalmente, trabalha ouvindo as partes envolvidas no debate, é outra estratégia para alcançar uma maior audiência para o discurso negacionista e plantar a dúvida na sociedade. Ainda de acordo com o relatório da pesquisa da Avaaz, os produtores de narrativas negacionistas sobre as mudanças climáticas receberam e recebem recursos de grandes empresas como a ExxonMobil e grandes empresários individualmente.

A análise da Avaaz informa que a desinformação sobre clima e energia obteve alto desempenho alcançando cerca de 25 milhões de visualizações somente no Facebook. Foram analisadas 163 postagens entre 20 de janeiro e 20 de março de 2021 e que continham 39 alegações falsas sobre o clima e desmascaradas pelo jornalismo de verificação. Essas 163 postagens acumularam sozinhas 25.102.970 visualizações e 1.516.841 interações.

Nesse contexto analítico, os pesquisadores identificaram que  “a narrativa enganosa de melhor desempenho no conjunto de dados promoveu a ideia de que as fontes de energia renováveis??não são eficazes ou confiáveis, respondendo por mais da metade (51%) das interações e acumulando cerca de 12,8 milhões de visualizações.
No que concerne à participação e responsabilidade midiática no contexto da desinformação, o relatório aponta que a “ Fox News apareceu três vezes no conjunto de dados, mais do que qualquer outra conta. As três postagens da Fox News foram responsáveis ??por 31% do total de visualizações estimadas no conjunto de dados (7.546.900 de 25.102.970), e todas as três promoveram a falsa alegação de que turbinas eólicas congeladas eram responsáveis ??pela crise de energia do Texas. Nenhuma das postagens recebeu um tratamento de verificação de fatos do Facebook.”
Por outro lado, o  Facebook não conseguiu aplicar um rótulo de verificação de fatos em 42 postagens analisadas na pesquisa e que foram responsáveis ??por 45% do total de visualizações estimadas (11.340.086 de 25.102.970).

Para conhecer mais sobre os resultados da pesquisa acesse: https://secure.avaaz.org/campaign/en/facebook_climate_misinformation/

Equipe NUJOC

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