Pfizer admitiu risco de miocardite para crianças em documento ao FDA? ENTENDA
Por Marcio Granez
Afirmação é do médico Paulo Porto de Melo ao programa Opinião no Ar, e foi compartilhada pela deputada federal bolsonarista Bia Kicis
No dia 5 de novembro a deputada federal Bia Kicis (PSL) compartilhou numa rede social um trecho de entrevista do médico neurocirurgião Paulo Porto de Melo à rede TV!, no qual ele põe em dúvida a segurança das vacinas para crianças de 5 a 12 anos. Eis o texto da postagem da deputada: “O neurocirurgião Paulo Porto de Melo, em entrevista ao Opinião no Ar, expõe a avaliação de risco submetida pela Pfizer ao FDA, onde a própria assume a falta de garantia quanto aos riscos de miocardite associados à vacinação em crianças de 5 à 12 anos”.
A mensagem chegou ao Nujoc pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz, para verificação. O trecho com a entrevista compartilhado pela deputada tem cerca de dois minutos de duração, e nele o médico lê trecho do relatório enviado pela Pfizer à Food and Drug Administration – FDA, agência americana que fiscaliza remédios e alimentos. “‘O número de pacientes no estudo clínico presente, que foi apresentado, é muito pequeno para detectar qualquer risco potencial de miocardite associado à vacinação’ – isso a própria indústria falando”, comenta o médico ao ler.
Miocardite – O médico põe em questão o risco de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) como efeito da vacina da Pfizer ministrada a crianças, alertando para o fato de os estudos terem sido feitos com número reduzido de pessoas nessa faixa etária. Ele também alerta para o fato de os testes sobre os riscos cardíacos estarem previstos para depois de os imunizantes terem sido ministrados.
Primeiro ele lê um trecho do documento: “‘Estudos de longo prazo de segurança da vacina contra o Covid-19 em participantes de 5 a 12 anos de idade serão realizados após o início da administração das vacinas, incluindo os estudos de 5 anos de follow up (acompanhamento) que avaliarão sequelas de miocardite e pericardite pós-vacina’”. Em seguida, o médico comenta: “No documento que você solicita autorização você já assumir que você precisa fazer estudos das sequelas de miocardite, você implicitamente tá assumindo que ocorrerão miocardites”.
Ele também critica a metodologia adotada para testar o imunizante da Pfizer, sugerindo que ela pressupõe uma relação entre casos de miocardite e aplicação da vacina que não compensa.
As informações trazidas pelo médico constam no documento encaminhado pela Pfizer à FDA, mas a intepretação que ele faz não se sustenta nos fatos. Esta checagem efetuada pelo Estadão Verifica traz os principais elementos que permitem entender o caso. Na checagem, a equipe verificou que os trechos citados pelo médico estão de fato no relatório, mas que ele omitiu os trechos que atestam a eficácia da vacina para as crianças e o baixíssimo risco de miocardite nessa faixa etária.
A leitura do documento na íntegra revela que a vacina é segura e que os procedimentos adotados pela Pfizer são todos os indicados pelos órgãos de controle e segurança. A recomendação da FDA foi pela aprovação da vacina na faixa etária dos 5 aos 12 anos, e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês, equivalente à Anvisa) recomendou no dia 2 de novembro a vacina da Pfizer para cerca de 28 milhões de crianças nos EUA.
Impacto – A fala do médico Paulo Porto teve grande circulação nas mídias sociais, tendo chegado a mais de 7 mil interações no Twitter e mais de 2 mil interações no Instagram até o dia 9 de novembro, conforme a checagem do Estadão, e pode levar ao entendimento de que a vacina é prejudicial às crianças, e que estas desenvolveriam miocardite como efeito colateral da vacinação.
As vacinas são seguras, inclusive para as crianças, que já vêm sendo imunizadas em países como EUA, China e Emirados Árabes, e aguardam aprovação das agências para começarem a ser vacinadas em outros países, como você confere nesta matéria da BBC News Brasil. A eficácia das vacinas para crianças pode ser conferida nesta reportagem do G1. Assim, o que o relatório da Pfizer mostra de fato é a eficácia do imunizante para a faixa etária das crianças de 5 a 12 anos.
Os especialistas ouvidos pela checagem do Estadão Verifica são unânimes em afirmar que os estudos conduzidos até o momento com os imunizantes aplicados às crianças atestam que os benefícios da vacinação superam em larga escala os riscos potenciais, que são mínimos. Dessa forma, as crianças também devem ser vacinadas.
Por induzir a erro, a fala do médico foi considerada conteúdo enganoso pela checagem do Estadão Verifica. Paulo Porto de Melo já foi tema de outras checagens feitas aqui no Nujoc. Nesta, ele se opõe ao lockdown, medida eficaz para conter o avanço do vírus. Nesta outra, ele defende o tratamento precoce, que é ineficaz contra a Covid-19. A deputada federal Bia Kicis também já teve diversas afirmações checadas por nós, sempre falsas ou de conteúdo enganoso, como você confere aqui.
A vacinação vem se mostrando crucial para reduzir o contágio e as mortes por Covid-19 no Brasil e no mundo. Estendê-la para crianças e adolescentes, dizem os especialistas, é parte fundamental da estratégia para conter a disseminação do vírus e controlar as suas variantes.