Publicação incita a não obrigatoriedade da vacina e propaga preconceitos contra a China
Nas redes sociais, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) argumenta contra a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19
Recebemos, por meio de parceria com o aplicativo Eu Fiscalizo da Fiocruz (disponível para Android e iOS), a publicação da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19. Na postagem, realizada no instagram da parlamentar, o texto trata que 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estarão decidindo o futuro de 210 milhões de brasileiros. Não só é apontada a questão da obrigatoriedade da vacina, como também indica que a escolha do imunizante tem propósito político, atribuindo, por último, estereótipos e preconceitos à China.
Assim como a deputada, o próprio presidente Jair Bolsonaro já afirmou em diferentes ocasiões se colocando contra a obrigatoriedade da vacinação da COVID-19. Com informações do G1, Bolsonaro emitiu a seguinte fala em 26 de outubro outubro: “Tem uma lei de 1975 que diz que cabe ao Ministério da Saúde o Programa Nacional de Imunizações, ali incluídas possíveis vacinas obrigatórias. A vacina contra o Covid — como cabe ao Ministério da Saúde definir esta questão — ela não será obrigatória”, disse Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto para apresentação de pesquisa sobre um medicamento.
No mesmo dia, o presidente também criticou a judicialização sobre a obrigatoriedade da vacina. “Temos uma jornada pela frente onde parece que foi judicializada essa questão. E eu entendo que isso não é uma questão de Justiça, isso é questão de saúde acima de tudo, não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar vacina”, frisou a apoiadores ao deixar o Palácio da Alvorada, conforme expõe a Agência Brasil.
Embora o presidente seja contrário, João Dória (PSDB-SP) é favorável a obrigatoriedade da vacina. “Em São Paulo, a vacinação será obrigatória, exceto se o cidadão tiver uma orientação ou atestado médico de que não possa tomar a vacina. Adotaremos medidas legais se houver alguma contrariedade nesse sentido. Não é possível em uma pandemia vacinar alguns e não vacinar outros. Enquanto tivermos pessoas não vacinadas em larga escala, teremos a presença do vírus”, pontuou o governador.
Assim como a compra da vacina CoronaVac, a obrigatoriedade da vacina contra a COVID-19 insere-se nas disputas políticas entre o presidente da república e o governador de São Paulo. Essas divergências já foram tema no Nujoc Checagem, conforme pode ser visto aqui.
Atualmente quatro ações acerca da obrigatoriedade da vacina estão sendo discutidas no STF sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Segundo o G1, em uma das ações com o debate iniciado no dia 25 de novembro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que os governadores possam determinar a vacinação obrigatória para o combate à pandemia de Covid-19.
Augusto Aras se manifestou em uma ação protocolada no STF pelo PDT e que busca assegurar a competência de Estados e municípios para determinar a vacinação obrigatória e outras medidas profiláticas no combate à pandemia de Covid-19.
O partido argumenta que essa atribuição deve ser reconhecida a governadores e prefeitos desde que as medidas sejam amparadas em evidências científicas e proporcionem maior proteção.
A importância da vacinação – Ao passo que Bolsonaro colocou-se contra a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19, uma série de entidades médicas e sanitárias emitiram posicionamento ressaltando a importância de tomar a vacina.
Segundo o G1, a Sociedade Brasileira de Imunizações disse que a vacinação está entre os instrumentos de maior impacto positivo em saúde pública, em todo o mundo. Ao longo da história, diz a entidade, as políticas de vacina contribuíram de forma inquestionável para reduzir a mortalidade e aumentar a qualidade e a expectativa de vida da população mundial.
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, Ricardo Tostes Gazzinelli, também apontou riscos no posicionamento de Bolsonaro. Segundo o doutor em bioquímica e imunologia, o descrédito lançado sobre a imunização é um problema grave.
“De uma maneira, essa fala pode levar pessoas a não quererem se vacinar, não darem importância à vacinação. Então, se nós chegarmos a ter uma vacina com eficácia significativa, isso [a fala do presidente] pode prejudicar o controle da Covid”, declarou.
A diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Lessandra Michelin, disse que é dever das autoridades públicas, assim como dos profissionais de saúde, conscientizar a população sobre a importância da vacinação.
“O nosso sistema de imunização é reconhecido internacionalmente. Temos as principais vacinas para proteger a nossa população nas diversas faixas etárias. Calendários vacinais para crianças, adultos, adolescentes, gestantes e também idosos. E agora, estamos bastante ansiosos pela vacina contra a Covid e a gente sabe que a maior parte da população vai precisar fazer essa vacina”, afirmou a infectologista.
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-americana de Saúde tem artigos disponíveis tratando da importância da saúde para não arriscar a saúde das demais pessoas e desmistificando fatos sobre a vacinação.
As vacinas são muito seguras. A maioria das reações são geralmente pequenas e temporárias, como um braço dolorido ou uma febre ligeira. Eventos graves de saúde são extremamente raros e cuidadosamente monitorados e investigados. É muito mais provável que uma pessoa adoeça gravemente por uma enfermidade evitável pela vacina do que pela própria vacina. A poliomielite, por exemplo, pode causar paralisia; o sarampo pode causar encefalite e cegueira; e algumas doenças preveníveis por meio da vacinação podem até resultar em morte. Embora qualquer lesão grave ou morte causada por vacinas seja muito relevante, os benefícios da imunização superam em muito o risco, considerando que muitas outras lesões e mortes ocorreriam sem ela (OPAS, 2016).
Preconceitos em relação a China – Em consonância ao enfatizado no começo desta checagem, é notório na postagem de Bia Kicis estereótipos e preconceitos contra a China.
Com informações da BBC Brasil, para cientistas sociais que vêm estudando especificamente a contaminação de questões de saúde por preconceitos culturais, o episódio do novo coronavírus não é novo: é uma atualização de antigos preconceitos associados à China e à Ásia que já apareceram desde em uma epidemia de peste bubônica no século 19 ao surto mundial da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) no início dos anos 2000.
“A expressão ‘perigo amarelo’ (usada no Ocidente como designação preconceituosa contra o Leste asiático a partir do século 19) pode parecer datada, mas definitivamente vemos que algumas narrativas tradicionais contra os chineses continuam hoje — em particular na forma com que eles são estimatizados como bodes expiatórios em questões médicas”, apontou em entrevista à BBC News Brasil o historiador Sören Urbansky, especialista em Rússia e China do Instituto Alemão de História em Washington, EUA.
“Na situação de agora (do coronavírus), algumas representações na mídia e falas de políticos ou pessoas comuns certamente têm paralelos no passado”, diz Urbansky, citando como exemplo um cartum publicado por um jornal dinamarquês em que uma bandeira chinesa é formada por partículas representado o coronavírus.
“O mais preocupante em conteúdos como esse é a xenofobia que podem estimular entre pessoas comuns. Nas redes sociais, você pode encontrar muitas postagens e tuítes com avisos para que não se coma comida chinesa ou pedidos de proibição de viagens.”
Sobre a expressão “vírus chinês” tão corriqueiramente utilizada por quem dissemina os seguintes preconceitos elucidados aqui, a BBC Brasil também preparou um outro material discutindo sobre. Além de como as relações entre Brasil e China podem ser afetadas pelo comportamento de Eduardo Bolsonaro e seguidores bolsonaristas nas redes sociais.