Suposto familiar de morto questiona eficácia das vacinas a partir de um caso particular
Vídeo de desabafo traz informações incompletas e faz generalização sem fundamento
O NUJOC recebeu para checagem um vídeo sem identificação de autoria, no qual o autor questiona a eficácia da vacina contra a Covid-19. O vídeo está circulando nas redes sociais e foi enviado para nossa equipe pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz, para verificação. Aqui você acessa o link com o vídeo completo.
Nele, um homem que não se identifica relata a perda de um tio, que teria morrido após ser imunizado com duas doses de vacina contra a Covid-19. O homem não informa qual vacina teria sido tomada, nem as condições de saúde de seu tio. Diz apenas que o tio era médico e que trabalhava na linha de frente contra a doença.
“Meu tio é médico, ele tava de frente contra o corona, uma dessas pessoas que arriscam suas vidas pra curar outras, que a gente tanto respeita. Fez muito, por muitas pessoas. Acabou sendo vítima desse vírus aí… desgraçado!, que tá fazendo tanto mal”, começa ele.
“E o que que eu queria passar aqui?”, prossegue. “Ele tinha tomado as duas vacinas, cara. Ele tinha tomado duas doses, já fazia 40 dias que ele tinha tomando a segunda. Ou seja, tudo o que dizem que funciona… Ele é uma vítima fatal do coronavírus. Então eu tive que dividir isso aqui. Só que o que a gente sempre esperava: ah, quando vier a vacina tudo vai melhorar? Mas e aí? Então eu não consigo entender, porque ele tomou as duas dozes da vacina”, questiona.
A partir desse relato, o homem dá a entender que as vacinas contra a Covid-19 não são eficazes, pois se fossem seu tio não teria morrido, já que tomou as duas doses e mesmo assim teria vindo a óbito.
A conclusão é falsa. As vacinas contra a Covid-19 são previamente testadas, de forma exaustiva, pela indústria de medicamentos, e todas as que foram aprovadas tiveram sua eficácia comprovada. É um longo processo, que inclui a testagem prévia em grupos de controle e a aprovação final das agências de saúde no mundo todo. Só depois de uma série de procedimentos prévios de testagem é que as vacinas são liberadas para uso da população. Conheça mais desse processo nesta matéria que publicamos sobre as vacinas.
Um caso particular não pode ser tomado como regra geral, sobretudo quando se desconhece o contexto em que o caso aconteceu. Informações como se o tio apresentava alguma comorbidade ou a faixa etária em que se encontrava são algumas das informações que seriam necessárias para entender as causas desse óbito em particular, se é mesmo que ele ocorreu.
O autor do vídeo também lança dúvida sobre a eficácia dos diferentes tipos de vacinas: “Ou será que a vacina de tal marca é mais eficiente que a vacina de outra marca?”, indaga. E complementa: “Eu não sei. Mas que os médicos, que os laboratórios, que as autoridades expliquem isso para gente. Porque eu mesmo, quando minha mãe me falou que ele tava numa situação grave, há uns três dias, eu falei: ‘Não, mãe, calma. Ele tomou as duas doses, então não vai ser fatal. E não. E foi fatal. Então a gente fica naquela pergunta: ‘Até quando?’. Será que as vacinas vão mesmo funcionar? E eu fiz questão de fazer esse vídeo para informar as pessoas, porque a gente não sabe, e a gente tem que ser informado, porque muitas vezes nos jornais não se fala isso.”
Em que pese o tom de desabafo e as desculpas que ele adianta para os questionamentos que levanta, algumas das afirmações do testemunho não se sustentam. Todas as vacinas aprovadas, como dissemos mais acima, devem passar por testes rigorosos para que cheguem até a população. Se estão aprovadas, é porque apresentam eficácia satisfatória. Quanto a os jornais não falarem sobre as dúvidas acerca da eficácia das vacinas, isso não é verdade. Basta procurar pelas palavra-chave “vacina” no Google, por exemplo, que surgem centenas de milhares de opções de informação, que incluem os veículos mais prestigiados da imprensa nacional e estrangeira.
Alerta – Médicos e cientistas já alertavam há alguns meses que haveria desinformação sobre a eficácia das vacinas pela tendência que as pessoas têm de generalizar um caso tomando-o por regra geral. É isso o que ocorre no caso do vídeo em análise: a pessoa generaliza a partir de um caso particular, sem considerar os fatores que podem ter contribuído para essa ocorrência específica, como comorbidades e idade do paciente. A falta de outras informações também acaba pondo em dúvida a autenticidade das declarações, já que o autor do vídeo não se identifica nem identifica o referido tio que supostamente foi vitimado pela Covid-19.
Esta matéria aqui, do site da BBC News Brasil de 17 de dezembro de 2020, já apontava a tendência a que surgissem boatos desse teor logo após a criação das vacinas contra a Covid-19: “É fácil prever que haverá histórias assustadoras nos próximos meses: seja na imprensa ou nas redes sociais, com origens equivocadas ou simplesmente maliciosas. Haverá casos em que um dia alguém receberá a vacina, logo depois, terá um sério problema de saúde que teria acontecido mesmo se não tivesse sido imunizada”. É exatamente disso que se trata na mensagem em questão.
Se não se levar em conta o estado de saúde da pessoa em sua totalidade, não há como descartar que alguma doença prévia venha a ser potencializada pelo Sars-Cov-2, a depender de variáveis como o tempo de infecção e a testagem positiva para o novo coronavírus.
As possibilidades de reinfecção e o tempo de eficácia das vacinas também são fatores que podem concorrer para um eventual caso de óbito, mesmo depois da imunização. Daí decorre a importância de se manter as medidas de cuidado, como a higienização das mãos com água e sabão, o uso de máscara e o distanciamento social, mesmo após a imunização.
O NUJOC já fez outras testagens sobre a eficácia das vacinas contra a Covid-19. Confira aqui.