Vídeo dissemina teorias conspiratórias sobre a pandemia
“Vigilância e servidão” culpa o “sistema” e o “estado”, mas sem dar nome aos bois
A pandemia é uma farsa a serviço dos governos mundiais. Basicamente, essa é a ideia do documentário “Vigilância e servidão: o legado da covardia pandêmica”, produzido pela editora Casando o Verbo. O aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz, enviou-nos o vídeo para checagem.
Trata-se de uma narrativa de cerca de dez minutos, na qual um locutor com forte sotaque do sul do país discorre sobre a pandemia da Covid-19. Sua fala é ilustrada por imagens de cidades vazias, líderes mundiais, pensadores e cenas de ficção que criam um fio-condutor para a narrativa.
Não se pode dizer que haja uma única informação falsa no vídeo, pois ele faz afirmações genéricas sobre a pandemia, deixando tudo no nível da sugestão, sem apresentar provas. A culpa pelos males trazidos pela Covid-19 é colocada sobre o “sistema” e o “estado”. Ambos estariam a serviço dos grandes detentores do poder e do capital. De outro lado, a narrativa sugere que apenas os trabalhadores que se arriscam para ganhar a vida são verdadeiramente livres.
Tudo isso é costurado por frases grandiloquentes mas vazias, como esta: “Se o objetivo desses tempos de pandemia for aumentar nosso amor à servidão, então estão alcançando esse objetivo”.
Conspiração – O tom da narrativa é fortemente marcado pelas teorias conspiratórias que vêm ganhando força nos últimos anos, e que atribuem os males da humanidade a forças ocultas que nunca são diretamente nomeadas. O método é sugerir, por meio das imagens, em vez de nomear. Por exemplo, ao falar sobre a suposta “palhaçada” do número de mortos na pandemia, a imagem mostrada no vídeo é a do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom.
O vídeo está recheado de citações e referências a grandes pensadores e filósofos, como o dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956), o escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963) e o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (1959- ). Obras como os romances distópicos 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, também são citadas. Toda essa erudição é chamada para criar uma nuvem de fumaça, já que a ideia básica, bastante rasa, é que o mundo está sendo dominado pelos poderosos e o povo é quem paga a conta.
Ao insistir nesse ponto, percebe-se o viés negacionista que marcou a pandemia desde o início no Brasil, quando defensores da “vida” se opunham aos defensores da “economia”. Ao menos nesse momento, fica clara a opção editorial que guia a narrativa do vídeo conspiratório. Ele está do lado dos pobres, pequenos comerciantes, “trabalhadores mais pobres, que precisam e continuaram a trabalhar, enquanto os ricos podem se refugiar em casas de férias”. O proletariado contra os ricos, mas sem Marx.
Piscando um olho ao populismo, o vídeo se coloca como “do contra”, em manobra retórica que busca catalisar simpatias e fomentar a confusão entre as pessoas. Sobre as mortes pela Covid-19, eis o veredicto: “Tudo um grande faz de conta, uma grande palhaçada”.
Narrativas com igual método são encontradas em outros supostos documentários – supostos porque um documentário deve se basear em fatos, não em suposições fantasiosas – que já checamos aqui. Plandemic, que foi retirado do Youtube após várias denúncias de falsidade, punha a culpa sobre as vacinas e os interesses da indústria farmacêutica americana. Sete Denúncias faz uma análise enviesada da pandemia, insinuando que ela serve aos propósitos de governos ditatoriais contra a liberdade individual.